Eliana Braga Aloia Atihé é professora de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Semiótica, doutora em Educação. Trabalha com grupos de leitura e autoconhecimento (grupos de corpo e alma) formados por mulheres em busca de outras imagens do feminismo. Ela respondeu a algumas perguntas de Negócios de Mulheres, trazendo ideias inovadoras e interessantes para todas as mulheres.
NdeM: Cinquenta anos depois das rupturas necessárias do feminismo, em que pé está o Feminino no mundo?
Eliana: Décadas passadas das rupturas necessárias e urgentes do feminismo, as qualidades do Feminino profundo andam fazendo muita falta, num mundo heróico, polarizado na ação, na competitividade e no conflito. O bebê foi jogado fora com a água do banho e o feminismo terminou paralisado no tempo e no espaço, aprisionado na mesma armadilha patriarcal que tanto buscou combater.

Vivemos num mundo em que os valores masculinos, ativo-agressivos, de competição, separação e antagonismo, são determinantes, até mesmo na educação das crianças pequenas.
Todos querem ser masculinos em seu modo de atuar no mundo e a energia de compensação, gerada no polo oposto, o Feminino, está fragilizada, quando não ausente.
Como energia passivo-receptiva, de relação, colaboração e acolhimento, não apenas reduzido à condição de gênero, o Feminino pode perfeitamente ser expresso tanto por homens quanto por mulheres. A beleza como valor profundo (não simples culto da aparência), a compaixão, o cuidado com o mundo interno, com a casa, com o planeta, com a educação das crianças e com os mais velhos, a gentileza, a receptividade, a introversão, a escuta, a empatia são alguns dentre os valores do Feminino que nossa cultura tem negado e pervertido.
Ironicamente, porém, são os mesmos valores dos quais nossa alma tem fome. São atributos da Alma num sentido amplo, a dimensão do mundo interno e também do mundo exterior identificada com a imaginação, a memória, as emoções e os sentimentos: as expressões do Feminino profundo.
NdeM: De que maneiras uma cultura de mercado globalizada como a nossa e as mídias, como estratégias desse modelo neopatriarcal, atuam para diminuir ou mesmo neutralizar por completo as qualidades do Feminino?

Eliana: Com a expansão da cultura de mercado globalizada, as mídias cada vez mais vêm atuando no sentido de neutralizar as diferenças individuais e culturais, impondo modelos de comportamento que rejeitam as formas e expressões autênticas do Feminino. Desse modo, as pessoas, as mulheres em particular, veem-se reduzidas a estereótipos, que são adotados, sem questionamento, como modelos. O consumismo feroz precisa nos reduzir a seres teleguiados, incapazes de refletir sobre o impacto de nossas ações no mundo. De modo geral, as ideologias políticas e religiosas tampouco estimulam a reflexão e o autoconhecimento.
NdeM: Como os estereótipos que servem a essa mesma cultura estão impedindo as mulheres de ser e de amar, e as relações, de amadurecer?
Eliana: A periguete, vulgar e hipersexualizada, a “fodona” corporativa, agressiva e prepotente, a super-mulher-multi-tarefeira, heróica e maníaca por perfeição são exemplos dessa triste redução do gênero feminino a caricaturas. Uma compreensão do Feminino como força de reparação desse cenário instaura outro olhar sobre a realidade e suas crises atuais, a maioria delas resultantes do esgotamento do modelo heroico, tanto à esquerda quanto à direita.
NdeM: Com o Feminino ausente ou empobrecido, como ficam as relações? Ora, é só olhar ao redor.
Eliana: O Feminino representa a função de relação, um modo de ser e estar no mundo que permite a construção e o cuidado com os vínculos. Com seu gradual esvaziamento, as relações andam cada vez mais superficiais, fantasiosas e breves. Pessoas sem resiliência, incapazes de empatia, incompetentes para lidar com as frustrações e revezes naturais da vida, infantilizadas e dependentes de remédios e outras drogas, pais que têm medo de educar seus filhos e de servir de continente para eles, nos primeiros anos da vida, transtornos alimentares… Esses são alguns dos frutos das carências da Alma e da repressão do Feminino no mundo.

NdeM: E como fica envelhecer?
Eliana: Envelhecer é o grande tabu da nossa época. Ninguém quer ficar velho. O herói não quer envelhecer, todavia ele não tem escolha. A questão não é se vou envelhecer. É, sim, como vou envelhecer. Há uma obsessão doentia por juventude, triunfo, saúde, sucesso e beleza. As mulheres são as maiores vítimas da pressão para viver de aparências, embora a alma masculina também esteja exausta e perdida. Como o Feminino profundo pode ajudar a gente a lidar com a passagem inexorável do tempo? Como a alma pode nos ensinar a morrer, enquanto nos ensina a viver?