NdeM– Você desenvolveu um estudo sobre o aplicativo Tinder utilizando métodos próprios de observação. Na sua opinião, como você classificaria o perfil das mulheres do aplicativo? E o dos homens?
Ana Clara – Na verdade quando eu montei o perfil no Tinder – como psicóloga e não como usuária-, a idéia inicial era poder trocar um pouco com as pessoas aquilo que eu sei e aprendi com a profissão, não tinha o intuito de fazer disso um estudo. As pessoas me contavam um pouco das histórias delas de relacionamentos amorosos e eu respondia com um olhar de psicóloga. Eu conversava com as pessoas do aplicativo de maneira espontânea, deixava elas me procurarem. Todas tinham entre 20 e 45 anos, de todas as classes sociais, diferentes estilos de vida, mas posso dizer que 90% das pessoas que vieram falar comigo eram mulheres, dos 10% dos homens, a maioria eram gays. Os homens héteros falavam muito esporadicamente, em geral quando tinham uma questão muito específica, um relacionamento que não deu certo e eles estavam tendo muita dificuldade em superá-lo, ou uma separação, por exemplo.
Querer falar com uma psicóloga em um aplicativo para conhecer pessoas, já implica algumas questões, acredito que as pessoas que estavam satisfeitas ou não se sentem a vontade de falar com uma psicóloga não me procuravam, por isso prefiro não falar de um perfil masculino, já que considero o número de pessoas com quem conversei insuficiente para traçar um perfil geral do aplicativo.
Quanto às mulheres que eu conversei, é fácil perceber que mesmo que inicialmente elas digam que estão no aplicativo para conhecer pessoas, existe a busca de um relacionamento mais sério, a expectativa de algo mais contínuo. Ainda assim quero cuidar para não cometer falsas afirmações, porque todas as mulheres que vieram falar comigo tinham muitas queixas a respeito da dinâmica desse processo de conhecer novas pessoas, dificuldades com os relacionamentos, o que não significa que no aplicativo não tenham mulheres com outros objetivos e muito satisfeitas com a maneira como isso acontece. A verdade é que ninguém fala com um psicólogo pra contar como está feliz, normalmente somos procurados em momentos em que as pessoas estão tendo alguma dificuldade em resolver certas questões sozinhas. No caso do aplicativo também apareciam muitos curiosos, queriam entender o porque de eu estar fazendo o perfil, a grande maioria sempre achava que era uma pesquisa, mas quando eu explicava que a idéia era apenas uma troca, alguns se entusiasmavam e contavam um pouco de si também.
NdeM-Quais os prós e os contras desses aplicativo?
Ana Clara – Acho que tem algumas questões a serem analisadas para falar dos prós e contras. Eu já li muitas reportagens falando mal do aplicativo, dizendo que é muito superficial, que é um “açougue”, que você escolhe uma pessoa baseada em suas fotos e meia dúzia de afinidades que existem no facebook, mas como é quando você conhece alguém na balada? Você não olha para uma pessoa que não te atrai em nada fisicamente e pensa: mas ele (a) deve ser legal, vou conversar com ele (a). Inicialmente o que se olha também são os atributos físicos e na balada, muitas vezes você mal conversa com a pessoa e já fica. No aplicativo você minimamente precisa gostar de conversar com a pessoa para marcar um encontro físico e acaba tendo muito mais chances de perceber outras afinidades.
Uma das diferenças que existem entre o aplicativo e você conhecer alguém pessoalmente é que o “match”encurta um pouco os passos da sedução, quando deu “match” você já sabe que tem um interesse do outro lado também, o que não significa que isso não possa mudar com a conversa, mas ao vivo você tem que esperar a reação do outro para ver se pode avançar ou não, se pensarmos em contatos presenciais fora da balada, isso tende a levar mais tempo para acontecer e você vai construindo algo mais estruturado.
Sendo mais objetiva na sua pergunta, acho que o aplicativo é um facilitador para conhecer pessoas e dependendo da maneira como se usa, isso pode ser bastante positivo. A questão é que vivemos em uma sociedade onde tudo é descartável, não sabemos lidar com as frustrações e não suportamos esperar nada, infelizmente estamos lidando com pessoas da mesma maneira que lidamos com as coisas. O aplicativo coloca nas suas mãos, sentado no sofá da sua casa um mar de possibilidades, por que alguém vai querer se esforçar para algo dar certo, se no caso o objetivo for encontrar um relacionamento, se sempre existe outra pessoa em um simples toque dos dedos? Não temos como lutar contra a tecnologia, mas não é o aplicativo que faz as relações serem ruins e sim o uso que se faz dele e as maneiras como as pessoas estão se relacionando.
NdeM-Um estudo americano mostra que cerca de 35 por cento dos relacionamentos começam na internet.Qual a sua opinião sobre isso?
Ana Clara – Eu acho que isso é o presente, usamos tecnologia para praticamente tudo na nossa vida. As redes sociais são de longe onde as pessoas passam a maior parte do tempo que ficam na frente do computador, sem contar tablets e smartphones, por que não usar para conhecer pessoas também??? É só uma maneira nova – e nem tão nova assim – de conhecer pessoas. A única questão que isso implica é em algumas mudanças e como toda mudança, necessita de um tempo para ser inserida e para que se aprenda a lidar com o novo.
Além do tinder e aplicativos similares, existem muitas outras ferramentas tecnológicas para se conhecer pessoas. O eharmony, por exemplo, que também é um site para conhecer pessoas, muito mais usado nos EUA do que aqui tem um índice de sucesso altíssimo. A diferença é que sites como o eharmony são pagos e você tem que responder questionários gigantes para que eles possam traçar o seu perfil e nesse caso são eles que te apresentam as pessoas que têm perfis parecidos com o seu, com os quais você tem possíveis chances de se interessar.
NdeM– Qual o futuro desses aplicativos e das relações on-line?
Ana Clara – Falar do futuro de qualquer coisa que seja tecnológica hoje em dia é muito arriscado, a idade média do facebook hoje é de 40 anos, os mais jovens já estão preferindo ferramentas como o twitter e o snapchat, as mudanças acontecem muito rápido, mas acredito que eles ainda vão durar por mais um tempo, até que se invente algo mais interessante e vantajoso, mas não acho que as pessoas vão deixar de se conhecer por meios virtuais. Ainda existe um certo preconceito com os aplicativos, algumas pessoas se sentem desvalorizadas em fazer parte de aplicativos como esses, outras preferem conhecer pessoas de outras maneiras. Acredito que isso tem um pouco a ver com a dificuldade em assumir o desejo de se conhecer alguém e também como forma de proteção, uma tentativa de não fazer parte dessas relações que estão tão descartáveis, o que não significa que fora dos aplicativos elas também não estejam. Quando você fala em relações on line, estou pensando apenas naquelas em que se usa um meio virtual para dar um start na relação, relacionamentos que ficam só no mundo virtual e não se concretizam fisicamente é outra coisa. Como eu já disse, acredito que elas vão continuar existindo, assim como os encontros casuais e as surpresas da vida não vão deixar de acontecer.
NdeM – Quais são seus projetos futuros?
Ana Clara – Eu hoje sou psicóloga, atendo em consultório particular, estou terminando de montar meu blog sobre relacionamentos amorosos que se chamará Tinder no Divã, estou me preparando para fazer um mestrado sobre este tema e mais pra frente gostaria de fazer palestras e workshops sobre relacionamentos amorosos no mundo contemporâneo.
Ana Clara Cartagena é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, fez formação em Psicoterapia Corporal e Biossíntese pelo Instituto Cochicho das Águas. Idealizadora do blog Tinder no Divã, tem como uma de suas paixões estudar relacionamentos amorosos no mundo contemporâneo.
EMAIL: anaclarapsicologa@gmail.com
Boa análise, sensata e aberta as mudanças nas relações amorosas…