N&M: O que é Terapia Cognitiva? Quais os conceitos e preconceitos associados ao tema?
Dra. Ana Maria: Terapia Cognitiva é um sistema de psicoterapia, proposto e desenvolvido por Aaron Beck e seus colaboradores, que integra um modelo cognitivo de psicopatologia e um conjunto de técnicas e estratégias terapêuticas baseadas diretamente nesse modelo. Em meados da década de 1950, Beck, Professor de Psiquiatria da Universidade da Pennsylvania em Philadelphia e um eminente Psicanalista, conduziu estudos empíricos para comprovar princípios psicanalíticos. A partir de seus estudos, propôs um modelo de depressão, que, evoluindo em seus aspectos teórico e aplicado, constitui-se em um novo sistema de psicoterapia, a Terapia Cognitiva.
A Terapia Cognitiva (TC) baseia-se na hipótese de vulnerabilidade cognitiva como um modelo de transtorno emocional. Seu princípio básico, que reflete uma postura construtivista, é de que nossas representações de eventos internos e externos, e não um evento em si, determinam nossas respostas emocionais e comportamentais. Nossas cognições ou interpretações, as quais refletem formas idiossincráticas de processar informação, constituiriam a base dos transtornos emocionais, os quais seriam definidos em TC mais propriamente como transtornos de processamento de informação. Fundamentada no princípio básico da TC e, em particular, na hipótese de primazia das cognições sobre as emoções e comportamentos, em TC busca-se a reestruturação cognitiva, a partir de uma conceituação cognitiva do paciente e de seus problemas. Inicialmente, objetiva devolver ao paciente a flexibilidade cognitiva, através da intervenção sobre as suas cognições, a fim de promover mudanças nas emoções e comportamentos que as acompanham. Ao longo do processo terapêutico, no entanto, atua diretamente sobre o sistema de esquemas e crenças do paciente a fim de promover sua reestruturação. Em paralelo à reestruturação cognitiva, o terapeuta cognitivo utiliza ainda uma abordagem de resolução de problemas.
N&M: Como é a intervenção nos diversos traumas?
Dra. Ana Maria: Terapia Cognitiva é uma forma de psicoterapia breve, que dura em média, de 12 a 24 sessões. O terapeuta tem uma atuação diretiva, mas baseada em uma aliança terapêutica que envolve genuinidade e calor humano. Reflete a forma de psicoterapia de escolha por clínicos ao redor do mundo, para uma ampla gama de transtornos emocionais. Tem eficácia comprovada para os transtornos emocionais – depressão, transtornos de ansiedade, ídeação e comportamentos suicidas, dependência química, transtornos alimentares, transtornos de personalidade, terapia conjugal e familiar, intervenção de crise, etc. Tem ainda eficácia para transtornos psicóticos, como esquizofrenia e transtorno bipolar. É aplicável a adultos, crianças e adolescentes, individualmente e em grupos.
Os preconceitos que existem no Brasil a respeito da Terapia Cognitiva refletem apenas o caráter recente de sua existência em nosso país. Dentre os preconceitos, destacam-se: por ser uma forma de psicoterapia breve, a TC é superficial e favorece a recaída; a TC aborda somente os sintomas e, portanto, favorece o deslocamento de sintomas e não sua resolução. A aliança terapêutica interfere com processos transferenciais e com o progresso clínico. Por ser prescritiva, TC é de fácil aplicação. A TC é derivada do Comportamentalismo e divergente da Psicanálise. Enfim, esses e outros preconceitos se desfazem à medida que o profissional psicoterapeuta se aprofunda no conhecimento real da abordagem da TC.
N&M: A senhora trabalha com infantil e adultos? Se sim, quais as demandas e os sofrimentos que mais caracterizam esses dois grupos na clínica?
Dra. Ana Maria: Trabalho com adultos, crianças, e adolescentes, e também com terapia conjugal e familiar. Adultos, até há cerca de 10 anos atrás, nos procuravam, em sua maioria, com problemas de depressão, e a proporção de transtornos de ansiedade (transtornos de ansiedade generalizada, fobias, transtorno de pânico, hipocondria, ansiedade associada à saúde, transtornos obsessivo-compulsivo, e outros) ainda era baixa em comparação aos casos de depressão. Nos últimos dez anos, porém, o número de casos de transtornos de ansiedade elevou-se assustadoramente, tanto em crianças quanto em adultos, sendo transtorno de pâico e fobia social os mais comuns. Outros transtornos comuns na clínica são: dependência química, em adultos e adolescentes; transtornos alimentares, como obesidade, comer compulsivo, bulimia e anorexia, também em adultos e adolescentes; transtornos de personalidade, especialmente em adultos. E problemas situacionais, como dificuldades acadêmicas e profissionais, em crianças, adultos e adolescentes. Nas crianças, em particular, observam-se casos de depressão, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, comportamentos desviantes e desafiadores, dificuldades acadêmicas e de socialização.
N&M: Para onde está caminhando a Terapia Cognitiva?
Dra. Ana Maria: A terapia cognitiva se impõe, gradualmente, como a abordagem de escolha ao redor do mundo. Seu modelo teórico e aplicado é adotado de forma consensual internacionalmente, com clínicos e pesquisadores ainda orientados com base em seus pressupostos básicos. Surgiram, em anos recentes, algumas vertentes novas, que se aprofundam em determinadas direções, mas que ainda partilham do mesmo modelo cognitivo básico da primazia das cognições sobre emoções e comportamentos e sobre o conceito de re-estruturação cognitiva como base do processo clínico. Além disso, as demais abordagens, gradualmente, vêm adotando princípios e técnicas da terapia cognitiva e se permitindo permear por características básicas como o tempo curto e a busca da comprovação de eficácia.
Dra. Ana Maria Martins Serra, é psicóloga, PhD em Psicologia Clínica e Terapeuta Cognitiva pelo Institute of Psychiatry, Universidade de Londres, Inglaterra, onde atuou como membro da Clínica de Terapia Cognitiva do Maudsley Hospital por quase quatro anos. Mestre em Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento pela University of Illinois, EUA. Fundou o ITC – Instituto de Terapia Cognitiva, inicialmente com sedes em Campinas e São Paulo, Capital, o primeiro de seu gênero no país.